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08/12/2024 às 15h30min - Atualizada em 08/12/2024 às 15h30min

‘É liberdade excessiva, não resposta à criminalidade’, diz analista criminal sobre casos de violência em SP

História de Leonardo Rodrigues
https://www.msn.com

Papel do governo é dizer aos policiais que não matem’, disse Guaracy Mingardi | Divulgação/Sinpol-DF
Em um mês, a Polícia Militar de São Paulo protagonizou ao menos quatro episódios de abuso de força. Ações de seus agentes culminaram nas mortes de um jovem negro que tentou furtar um supermercado, de uma criança de 4 anos e de um estudante de medicina, além do arremesso de um rapaz de uma ponte de três metros de altura.
 

O governador do estado, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e o secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite (PP), lamentaram os casos e prometeram punições rigorosas aos responsáveis. Algumas delas já se efetivaram, mas o analista criminal Guaracy Mingardi avalia que as respostas das autoridades contradizem suas práticas e discursos anteriores no comando da segurança paulista.

Quando o governador e o secretário dão declarações endossando o uso excessivo da força, o policial que está na rua recebe a mensagem de que está tudo liberado”, afirmou nesta entrevista ao site IstoÉ. Para Mingardi, que foi investigador da Polícia Civil, secretário da Segurança Pública de Guarulhos e é pesquisador do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), as forças policiais têm normas estabelecidas para atuar, mas seus excessos revelam um cenário falta de controle e excesso de liberdade.

Leia a seguir a íntegra:

IstoÉ O que essa sequência de casos de violência policial de grande repercussão revela sobre a conduta da Polícia Militar paulista?

Guaracy Mingardi Há um discurso equivocado atribuindo esses casos a um suposto mau treinamento, mas isso não procede. O que está acontecendo é efeito do excesso da liberdade e da falta de controle por parte da Secretaria da Segurança.

O papel do governo deve ser dizer reiteradamente aos policiais: “Não seja violento, não mate”. Não se pode colocar um “mas” após isso. A mensagem dada pelo governo estadual, no entanto, é a oposta. Quando o governador Tarcísio e o secretário Derrite dão declarações endossando o uso excessivo da força, o policial que está na rua recebe a mensagem de que está tudo liberado.

Há a interpretação de um apoio implícito às atitudes excessivas, o que é um contrassenso em relação à redução da letalidade policial que foi registrada nos anos anteriores [ao mandato atual], e mesmo os números deles [SSP] mostram redução de índices de criminalidade. Portanto, isso [os abusos] não é uma resposta à criminalidade, mas uma liberdade excessiva de ação.

A Polícia Militar tem um Procedimento Operacional Padrão, que determina condutas a serem seguidas em qualquer abordagem. Em ao menos três dos casos recentes, ele não foi cumprido. Tiro de aviso, por exemplo, não existe; o policial só atira se houver um alvo claro. Aparentemente, não há mais exigência de cumprimento dessa regra.

IstoÉ Quais são as condutas que podem ser adotadas pela corporação para mirar nos casos recentes?

Guaracy Mingardi Em primeiro lugar, os casos não podem ser tratados como isolados, porque são muitos casos isolados. Mas, de forma imediata, há necessidade de punir os responsáveis exemplarmente e logo. Não adianta expulsá-los [os agentes responsáveis] da PM daqui a três anos, precisa ser rápido. Depois, se eles conseguirem recuperar os cargos pela Justiça comum, paga-se os salários atrasados.

Além disso, os portes de arma dos agentes devem ser retirados — não só da arma de serviço, mas de todas que eventualmente tiverem sido adquiridas. Eu duvido, porém, que essa gestão dê respostas eficientes. Parte do eleitorado do governo estadual defende a letalidade policial e provavelmente aplaudiu algumas das condutas abusivas recentes, o que desencoraja o governador a agir.

“Parte do eleitorado do governo estadual defende a letalidade policial”.

IstoÉ Além das punições, quais medidas podem ser tomadas, a nível institucional, para evitar novos casos do tipo?

Guaracy Mingardi Não é tão complexo. Os policiais têm de ser submetidos às regras vigentes da Polícia Militar. Caso não as cumpram, devem retornar à academia ou serem colocados para fazer patrulhamento a pé em zonas centrais da cidade. Porque os policiais não querem fazer isso, então surte efeito.

PM jogou homem de ponte de três metros na zona sul da capital paulista: não houve registro de crime | Reprodução/X

PM jogou homem de ponte de três metros na zona sul da capital paulista: não houve registro de crime | Reprodução/X


PM jogou homem de ponte de três metros na zona sul da capital paulista: não houve registro de crime | Reprodução/X

IstoÉ Mas o senhor tem esperança de que alguma dessas medidas seja adotada pela administração atual?

Guaracy Mingardi Nenhuma. O mais provável é que um ou dois policiais sejam condenados, uma mensagem seja transmitida à opinião pública, mas isso não basta para impedir que outros excessos aconteçam. A Secretaria da Segurança Pública precisa atuar firmemente para que o Procedimento Operacional Padrão seja estritamente seguido pelos policiais.

Em Londres, para ter um exemplo concreto, todas as abordagens policiais têm de ser registradas. Eu não acho que isso vá acontecer aqui, mas há condições para chegar perto desse nível de transparência. Esse é um exemplo de conduta que não vai atrapalhar o procedimento policial, não vai reduzir o número de detenções, mas pode melhorar expressivamente a imagem institucional da PM.

“Um ou dois policiais serão condenados, mas não basta para impedir novos excessos”.

IstoÉ Políticos muitas vezes atribuem à falta de medidas para mudar a gestão das polícias o receio de que os agentes possam se insurgir contra o comando. Esse risco existe?

Guaracy Mingardi Fato é que um governo de direita tem mais condições de tocar essa reestruturação do que um de esquerda. Tarcísio ainda será o favorito dos policiais mesmo que aperte mais a corporação. Todos os coronéis foram escolhidos pela atual gestão, o que dá margem para uma mudança no espírito de corpo das tropas.

O secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite: ‘Trabalho desastroso’, para Mingardi | Câmara dos Deputados (Crédito:Mario Agra/Câmara dos Deputados Fonte: Agência Câmara de Notícias)

O secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite: ‘Trabalho desastroso’, para Mingardi | Câmara dos Deputados (Crédito:Mario Agra/Câmara dos Deputados Fonte: Agência Câmara de Notícias)


O secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite: ‘Trabalho desastroso’, para Mingardi | Câmara dos Deputados (Crédito:Mario Agra/Câmara dos Deputados Fonte: Agência Câmara de Notícias)

IstoÉ Depois que esses casos vieram à tona a partir de registros feitos por câmeras de segurança ou dos próprios celulares de transeuntes, Tarcísio disse ter mudado de opinião a respeito das câmeras corporais em PMs. Essa política é efetiva para reduzir os abusos policiais?

Guaracy Mingardi É e tem que ser aplicada até o limite. Todo policial que está na rua, em hora de serviço, tem de usar a câmera. A primeira razão é impedir a má conduta de agentes; e a segunda é a proteção de condutas corretas de agentes, que possam ter sido colocadas sob suspeita pelas circunstâncias. Você tem, ao mesmo tempo, a atuação contra dois problemas.

“As câmeras podem proteger condutas corretas de policiais que sejam colocadas sob suspeita”.

IstoÉ Como o senhor avalia o trabalho de Derrite à frente da SSP?

Guaracy Mingardi Desastrosa, terá de mudar muito para melhorar. Um exemplo claro é a falha no combate ao crime profissional. Não se combate o furto de celulares, por exemplo, detendo um trombadinha aqui e outro ali. Há necessidade de investigação.

Quem faz investigação é a Polícia Civil que, já há alguns governos, tem sido deixada de lado. A corporação está ficando envelhecida, burocratizada, e sofre com a falta de pessoal, recurso e equipamentos — mesmo no Departamento de Homicídios, talvez o mais funcional da Segurança Pública paulista.


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